Argentina: dizem que o Gigante despertou


Pode-se dizer, com certa dose de exagero, mas sem faltar à veracidade de seu passado, que ao longo de eras a vitivinicultura argentina permaneceu adormecida. Considerada o quinto produtor mundial de vinhos, a Argentina, até há décadas recentes, pouco ou nada era conhecida internacionalmente por sua produção vinícola, embora o consumo anual da bebida atingisse impressionantes 26 galões per capita – cada galão corresponde a 3,785 litros. Um parâmetro pode ser encontrado no consumo norte-americano, já estacionário há décadas, em que cada pessoa bebe entre um e dois galões e meio ao ano.

Os vinhos argentinos, portanto, além de rústicos, de pouca qualidade e muito baratos, eram voltados estritamente ao consumo interno. De certa forma essas características podem ser atribuídas aos imigrantes europeus que lá chegaram no século retrasado, para quem o consumo de vinho fazia parte do dia a dia de sua mesa. Entretanto, nos anos noventa, ao longo de um período conturbado política e economicamente, as vinícolas, ávidas por capital e novos mercados, iniciaram um processo de refinamento de qualidade, moldando seus vinhos às características do mercado internacional, e exportando-os, principalmente para os EUA e Reino Unido. Os argentinos, assim, encontraram inspiração em seu vizinho Chile, que já havia virtualmente reinventado sua indústria vinícola. Em 1994, a Argentina exportava 389 mil galões de vinho para os EUA. Quatro anos mais tarde, essa quantia já se multiplicava em 3,3 milhões de galões. Atualmente, a Argentina mantém-se na quinta posição mundial em produção de vinho e em oitavo lugar no consumo, em que cada cidadão argentino consome uma média de 10,4 galões da bebida ao ano.


Da “uva francesa” ao Malbec

Às latitudes argentinas, o malbec chegou em meados do século XIX pelas mãos do francês Michel Aime Pouget, que junto a outros imigrantes europeus fundaram a vitivinicultura argentina com as variedades que trouxeram de suas terras natais. A bem da verdade, MacNeil lembra que os missionários e descobridores espanhóis foram os primeiros a trazer suas cepas consigo do Velho Mundo ou de excursões ao Chile e Peru, séculos antes. Dessas cepas surgiram três variedades, semelhantes entre si e produtoras de um vinho bastante rústico: Argentina’s criolla, Chile’s pais e California’s mission. Enquanto as duas primeiras constituíram a base fundadora da produção vinícola da América do Sul durante trezentos anos, a terceira tornou-se a variedade tinta líder na Califórnia, até a chegada da phylloxera, nos anos de 1890.

Nesses momentos iniciais de atividade, os viticultores reuniram diferentes cepas sob o nome genérico de “uva francesa”. Mais tarde, quando começaram a diferenciar algumas variedades, esta denominação tornou-se apenas malbec. Os precursores plantavam seguindo a tradição européia: a cada seis mudas de malbec, uma da variedade Semillón Blanc. Deste modo, elaborava-se um corte que equilibrava a grande concentração de cor do malbec e removia sua marcante aspereza carregada pelos taninos.

Iniciado nos anos 80, a Argentina sofreu um intenso processo de erradicação das vinhas de malbec, sobretudo as mais antigas, com mais de meio século de idade, a fim de priorizar uma cepa de melhor qualidade e rendimento. Em pouco tempo, sua vitivinicultura reestruturou-se, o consumo interno de vinhos comuns, até então muito expressivo, foi gradualmente perdendo espaço para os vinhos finos, como os feitos de malbec e de cortes envolvendo esse varietal. Atualmente, a área argentina de cultivo do malbec é a maior do mundo, cobrindo 16 mil ha. Na França, por exemplo, existem 5 mil ha e na Califórnia, apenas 45 ha.

Usando técnicas de irrigação, aprendidas com os incas, ao drenarem água da neve dos cumes montanhosos, em solo argilo-pedregoso, de boa drenagem, com temperaturas elevadas ao dia e amenas à noite, os produtores encontraram ao largo do cordão da Cordilheira dos Andes a proteção e o oásis perfeito para a produção de seus vinhos. A noroeste, entre 1750 e 2300 metros acima do mar, produzindo malbecs bravios e corpulentos, estão Cafayate, Yacochuya, Las Viñas e San Carlos. Mais ao sul, Chilecito, em La Rioja, e os privilegiados Valles de Tulum, Ullum, Zonda e El Pedernal, em San Juan, elaboram exemplares originais desse varietal. Entretanto, o ecossistema de Mendoza é o paraíso do malbec. A chamada primeira zona ou zona alta do rio Mendoza (Maipú, Luján de Cuyo), San Rafael e o Valle de Uco oferecem alguns dos mais reconhecidos vinhos a nível nacional e internacional. Finalmente, até mesmo a Patagônia também existe para a cepa argentina bandera, sobretudo nos promissores terrenos do Alto Valle del Río Negro.

Fontes:
MaCNEIL, Karen. The Wine Bible. New York: Workman Publishing, 2001, p. 847-860.
Fondo: vitivinícola Mendoza - acessado em 17 jul.2006

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