Merlot – Algumas Notas

A uva Merlot é hoje a tinta mais plantada em Bordeaux, sua região de origem. Se no Médoc é a principal coadjuvante da Cabernet Sauvignon na composição dos principais vinhos, ela figura de longe como protagonista em Saint-Emilion (75% dos vinhedos) e, principalmente, em Pomerol (também três quartos da superfície plantada), onde é responsável por cerca de 95% do ilustre Château Pétrus, em corte com a Cabernet Franc. Descende, segundo estudos recentes, de cruzamento desta última cepa e outra variedade ainda desconhecida. Origina vinhos muito macios, aveludados, com acidez moderada, bela expressão aromática e boa complexidade. Apesar de terem grande intensidade de taninos, os vinhos feitos com a Merlot normalmente ficam prontos mais cedo e podem ser bebidos com pouco tempo de garrafa (esta é também a característica de muitos vinhos de Pomerol, se bem que os melhores possam enriquecer muito com um longo amadurecimento). No Rio Grande do Sul, com 30,6% do total (segundo dados da Uvibra relativos ao ano de 2002), também é a tinta mais cultivada, e nas palavras de Saul Galvão, em seu Guia de Tintos e Brancos, tem rendido “vinhos realmente muito bons”. Sobre o filme Sideways (vejam o post da Myla), alguns comentários. Trata-se, por certo, de um longa-metragem muito divertido. Mas essa história de o protagonista só conseguir afirmar a sua condição “intelectual” opondo-se infantilmente ao “gosto popular”, elegendo a Pinot Noir como objeto de sua devoção e a Merlot como objeto de sua ojeriza, é algo que não se sustenta nem no próprio roteiro. Como se viu, o “vinho da vida” do sujeito é o premier grand cru classé Château Cheval Blanc, de Saint-Emilion – aquele, da lanchonete! Pois bem. Este famoso vinho é um corte de duas uvas: Cabernet Franc (outra desdenhada por Miles no filme) e... Merlot. Curioso, não?


"The Sideways Effect"

Sideways (diretor: Alexander Payne, 2004), vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado e de seis troféus no circuito de cinema independente americano - The Independent Awards - influencia um mercado que movimenta US$20 bi por ano, o dos vinhos americanos. Quem assistiu ao filme, já sabe do que estou falando. O protagonista, um professor deprimido e neurótico mas apaixonado por vinhos (Paul Giamatti), detesta merlot, os vinhos mais populares nos Estados Unidos nos últimos 15 anos, e adora os pinot noir, até então um rival muito menos favorecido.

Numa viagem com um amigo por uma região vinícola perto de Los Angeles, Miles, o personagem de Giamatti, apaixona-se por uma estudante (Virginia Madsen) e declara a ela que o bouquet do pinot é "o mais assombroso e brilhante e excitante e sutil e... antigo no planeta". E se recusa a beber o merlot com um sonoro palavrão. Resultado: entre outubro (2004), quando Sideways foi lançado nos Estados Unidos, e janeiro (2005), quando o filme recebeu o prêmio dos críticos de cinema, as vendas de merlot caíram pela metade no oeste americano. Em contrapartida, as vendas de pinot noir através do país se multiplicaram e muitos apreciadores de vinho trocaram o pinot francês pelo californiano. This is what the American wine industry called the Sideways effect.

Pinot é uma uva difícil de se acertar, como já foi mencionado no post do Edinho e também no meu. Por causa disso, muitos críticos costumam aconselhar: "Você estará melhor com um merlot barato e seguro do que com um pinot barato, mas sem segurança." Miles pediria perdão por discordar. Ele passa parte do filme instruindo Jack (Thomas Haden), o amigo bobão que está prestes a se casar, sobre a fraqueza da uva merlot e as virtudes da pinot noir. A ponto de, antes de um jantar, avisar: "Se alguém pedir merlot, vou embora. Não vou me juntar ao lado negro."

Como já descobri, vinho, política e religião não se discutem. Espero que através dessa seqüência de varietais - cabernet sauvignon, pinot noir e merlot - proporcionada com tanto carinho pela Flávia e pelo Edinho, em nossos encontros na Confraria, cada um saboreie avidamente essas experiências e tire suas próprias conclusões. Como todos somos fãs de cinema, aí vai a opinião do grande Francis Ford Coppola. Entusiasta das variedades merlot e cabernet da região de Napa Valley, Califórnia, ele respondeu num resmungo à pergunta sobre o que achava do "efeito Sideways": "Bebo pinot noir, adoro os melhores, mas não vou incentivar isso. É tudo um truque".
Será? É o que vamos conferir - deliciosamente - nessa próxima degustação.


Merlot: breve perfil

Essa cepa de uva é prima do cabernet sauvignon. Possui um sabor bem similar a esse embora apresente características taninicas mais leves e seja também levemente mais herbácea - leia-se: ervas - tanto no aroma quanto no sabor.

O amadurecimento é um ponto crítico e é justamente por amadurecer mais rapidamente que o cabernet que o merlot se afasta de um sabor frutado e segue em direção à um sabor e aromas mais herbáceos.

A acidez natural e a adstringência do merlot são menos presentes do que no cabernet (talvez por isso que os caipiras da América do Norte gostem tanto - como já ficou claro, trata-se de um vinho mais leve em vários sentidos, deixando no paladar "uma boca mais viçosa").


Descrições típicas de aroma e sabor:

Varietais aromas/sabores:
(1) Frutado: groselha, cereja, ameixa
(2) Floral: violeta, rosa
(3) Tempero: caramelo, cravo-da-índia, folha de louro, pimenta verde
(4) Ervas: pimenta, azeitona verde
Bouquets processados/sabores:
(1) Levemente amadeirado: baunilha, côco, madeira doce
(2) Intensamente amadeirado: carvalho, tabaco, torrada, alcatrão
(3) Envelhecimento em garrafa: trufa, cogumelo, terra, couro, cedro, caixa de charuto

Fonte: Professional friends of wine, Cellarnotes.net, Estadao.com.br.

Próxima Degustação: "Merlot da América do Sul" (1ª Rodada)

Programa: Salentein 2001 (Argentina), Concha y Toro Marques de Casa Concha 2002 (Chile), Santa Helena Selección del Directório 2002 (Chile), Cousiño Macul Reserva 2003 (Chile), Miolo Reserva 2004 (Brasil).




Temas literário e musical: a definir.

Roteiro gastronômico: a definir.

Local e Horário: Casa do Guedes, Sábado, dia 14 de janeiro de 2006, a partir das 18h30min.

Investimento por pessoa: R$ 30.

Confirmar presença pelo próprio blog, preferencialmente. Máximo de participantes: 10.