As Riquezas da Tempranillo

Esta que é a mais nobre casta ibérica e uma das mais expressivas do mundo atende também por cerca de trinta sinônimos. É conhecida como Tinta del País ou Tinto Fino em Ribera del Duero, Espanha, onde se reproduzem seus clones mais concentrados. Já em Portugal, onde divide com a Touriga Nacional o papel de protagonista nas principais regiões produtoras, conhece-se principalmente por Tinta Roriz (Dão e Douro) e Aragonez (Alentejo). Mas a região espanhola de Rioja, cujos excelentes vinhos se compõem majoritariamente desta cepa, é sem dúvida a principal responsável por sua consagração. No conjunto das três sub-regiões riojanas, constitui 76% das tintas plantadas, mas na menor e melhor delas, a Rioja Alavesa, situada no País Vasco, corresponde a 96% das uvas tintas, o que se representa no corte tradicional que compõe seus vinhos. O nome Tempranillo, que provem de “temprano” (cedo), remete a sua maturidade precoce (amadurece duas semanas antes da Garnacha, a uva escura mais plantada na Espanha e no mundo). Tem tendência a altos rendimentos, mas um rígido controle para limitá-los (45,5 hl/ha em Rioja) é condição intransigível para a garantia de sua ótima qualidade.

Pinot Noir e Tempranillo

Assim como a Pinot Noir, a Tempranillo depende muito do terroir (conjunto dos solos e subsolos, macro e microclima) para definir seu caráter. O frio lhe confere elegância e acidez, mas o calor contribui com o grau de açúcar e a maior espessura da casca, predicado que garante a cor e o frutado intensos de seus vinhos. Um solo calcário produz um vinho com mais equilíbrio e nervo. Este já será mais encorpado ou mais suculento e frutado se o solo for argiloso ou xistoso. Os vinhos jovens trazem em seu aroma muita fruta vermelha (cereja, framboesa, morango). Já os longamente maturados em barricas usadas de carvalho americano (estilo riojano tradicional) apresentam um rico buquê com presenças de tabaco, couro, café, especiarias, ameixas e figo e são bastante longevos. Muitos provadores experientes reconhecem as afinidades existentes entre as grandes tintas borgonhesa e riojana. Segundo José Osvaldo Amarante , a Tempranillo “deve ter um ancestral comum com a Pinot Noir, pois velhos Rioja são difíceis de diferenciar de velhos Bourgogne”. De fato, há a teoria (para muitos, lenda) de que a cepa teria sido levada por peregrinos da França para o Norte da Espanha, mas não há qualquer confirmação histórica. Outros estudos recentes também desmentem tal parentesco, senão pela real parecença gustativa, e confirmam a Tempranillo como uva autóctone riojana.

Os vinhos de Rioja

Além da Tempranillo, entram minoritariamente no corte do vinho riojano a Garnacha, para dar volume e álcool, a Graciano, para acrescentar cor e complementar a acidez, e a Mazuelo, conferindo ao vinho taninos e corpo para ampliar a sua capacidade de envelhecer. Segundo a legislação, são quatro tipos (concentro-me nos tintos):

Básico: máximo 12 meses em barricas.
Crianza: mínimo 12 meses em barricas de 225 litros; pelo menos 24 meses em bodega.
Reserva: mínimo 12 meses em barricas de 225 litros; pelo menos 36 meses como total de estocagem.
Gran Reserva: mínimo 24 meses em barricas e 36 meses em garrafa (60 na bodega).

Realizam-se muitas trasfegas durante o processo clássico de criação (crianza), o que resulta em vinhos mais claros, de corpo médio, bom nervo, perfumados, longos e elegantes. Mas há muitas vinícolas abandonando o estilo e a classificação tradicionais, optando por seguir a “corrente mundial” e “parkerizando” seus vinhos, que se tornam mais escuros, encorpados e frutados. J. O. Amarante critica lucidamente esta triste homogeneização: “Adoro ambos os estilos, contudo torço enormemente para que o tradicional também seja preservado, pois ele é único no mundo! Infelizmente, há uma tendência cada vez mais acentuada para padronizações draconianas, a fim de agradar ao gosto algo unidirecional de um famoso crítico de vinho”.

A Tempranillo na América do Sul

Na Argentina, embora seja a quarta uva mais plantada no país, os seus varietais são coisa recente. De todo modo, poucos vinhos conseguem expressar suas qualidades em plenitude. Exceções são o pioneiro Família Zuccardi “Q” (o primeiro 100% Tempranillo a chegar ao mercado, em 1993) e os vinhos de corte em que a uva ibérica é protagonista, O. Fournier A-Crux (70% Tempranillo) e B-Crux (85% Tempranillo), ambos completados com Malbec e Merlot. Outros varietais bastante acessíveis e de boa qualidade são o Benjamin Nieto Senetiner e o Santa Julia Oak Aged.

No Brasil, o primeiro varietal, resultante da ótima safra de 2004, veio apenas em 2005, mas felizmente com extremo sucesso. Mais uma vez pioneira, a Miolo lançou a linha Fortaleza do Seival, da nova e promissora região vinícola da Campanha Gaúcha. O seu Tempranillo, resultante de dois clones portugueses e um espanhol, recebeu a indicação de “Excelente Compra” no Guia de Vinhos Gula de 2005 e esteve entre os Vinhos do Ano na edição de janeiro da revista: “sinal muito alvissareiro da nova viticultura brasileira, localizada na promissora fronteira com o Uruguai”. Também um vinho premium recém-lançado pela mesma vinícola, o Quinta do Seival Castas Portuguesas, traz a Tinta Roriz (Tempranillo) em corte com a Alfrocheiro e a Touriga Nacional, estagia em carvalho novo francês por cerca de dez meses, e vem tendo destino semelhante. Todo este processo contou com a ajuda do reputado enólogo português Virgílio Loureiro, autor do Quinta de Cabriz, no Dão.

Fontes:

Larrousse do Vinho. São Paulo: Larousse do Brasil, 2004.
Amarante, J. O. A. Os Segredos do Vinho para Iniciantes e Iniciados. São Paulo: Mescla, 2005
Galvão, Saul. Guia de Tintos e Brancos. São Paulo: Códex, 2004.
Revista Wine Style, números 3 e 5.
Revista Gula, Edição Especial n°14 e números 130 e 159.
http://www.decanter.com
http://www.wineloverspage.com
http://www.winepros.orghttp://www.wineloverspage.com
http://www.winepros.org

1 comentários:

Myla disse...

oi Edinho,
como vc bem sabe, na Decanter, todos os sábados, das 10h às 14h, o dono da loja escolhe 3 vinhos e oferece gratuitamente uma bela degustação em lindas taças de cristal, num ambiente delicioso. e, claro, a gente sempre sai de lá sabendo mais do que qdo entramos. (e de preferência, com um vinhozinho debaixo do braço!)

há duas semanas, Flávio e eu provamos um bourdeaux, um chianti e um tinto fino da região de Ribera del Duero (pra quem não sabe, o rio Douro). foi o melhor vinho, de longe.

só que o detalhe interessante foi que a gente pensou que se tratava de uma uva nova (já havíamos experimentado tempranillo e tempranillo/malbec argentinos. e eu até comecei a procurar pela tal "tinto fino").

o mais interessante ainda foi que nosso prestativo atendente tb não sabia que tinto fino é sinômino de tempranillo! (outra pequena falha dele foi a irritante mania de servir em bem menor quantidade as taças das mulheres se compraradas às dos homens - duuureza!)