Os preferidos de 2007 - Parte I

“Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas envelhecer.”

(Carlos Drummond de Andrade, em Passagem do Ano)


Parece que revisar o ano que passou, fazer balanços e, especialmente, eleger os destaques disso e daquilo, constitui inarredável e curiosa doidice universal. Se há de ter algum sentido, pois muita gente se mete nisso e sempre, vou fazê-lo também, naturalmente ao meu modo, como quem divisa o que merece viver em sua memória almost full.

Bebi belos vinhos no ano que passou, e as provas que faço, registro-as quase todas, desejoso de compartilhá-las na melhor ocasião. Os caldos aqui referidos e comentados obtiveram notas entre 16 e 17,5 (quatro estrelas: ótimo vinho) ou entre 18 e 20 (cinco estrelas: excelente vinho ou, no limite, excepcional), numa escala em estilo europeu, de 0 a 20 pontos. Mas o mais importante é que esses eleitos foram sempre os que mais me alegraram, intrigaram ou surpreenderam. Como a lista se fez espaçosa, divido-a em algumas partes desiguais, sem uma ordem patente, cada qual com uma certa conjunção de origens e estilos.

É isso. Espero que gostem das escolhas e possam apreciar os vinhos.

Sassicaia 2003 – Mítico vinho da Tenuta San Guido, da região toscana de Bolgheri, na Itália, composto, à bordalesa, de Cabernet Sauvignon (85%) e Cabernet Franc (15%). A safra foi excelente e os vinte e quatro meses de criação em barricas de carvalho francês, um terço novas, conferem-lhe notável estrutura, sem lhe encobrirem as vivas impressões frutadas, no olfato e no paladar. Muito jovem ainda (quase um pecado bebê-lo assim tão cedo), abriu-se aos sentidos lentamente, mesmo depois de arejar por mais de uma hora, contudo já revelando um buquê complexo e instigante. Às sugestões de frutas vermelhas, somaram-se notas de condimentos, mentol e vegetais cozidos, amplamente confirmadas no palato, que revelou também taninos de excelente qualidade e um fim de prova bastante longo e agradável. Uma jóia, que merece ser guardada com paciência, para brilhar na ocasião precisa. (*****) (18)

Prunotto Costamiòle Barbera D’Asti 1997 – Barbera excepcional desta importante vinícola que hoje é propriedade da Marchese Antinori, afinado em barricas de carvalho Allier por doze meses, que revelou um buquê intenso e rico em frutas maduras, especiarias doces, licor de cacau e muito mais. Um vinho denso, com ótimo nervo, elegante, vivo, de muita personalidade, no ponto para sorver-se, aos seus dez anos de idade. (*****) (18)

Château La Pointe 2000 (Pomerol) – Corte de Merlot (75%), Cabernet Sauvignon (15%) e Cabernet Franc (10%), que maturam por cerca de 18 meses em barris de carvalho (1/3 novos). Os vinhedos, de solos saibroso, saibro-pedregoso e argiloso, assistem no sudoeste de Pomerol, região próxima a Libourne. No início, o vinho rubi escuro, quase sem reflexo, aparece muito fechado, com notas de baunilha e alguma fruta vermelha (groselha). É preciso não ter pressa, pois se há de acender em seguida, revelando complexos aromas trufados, tostados e apimentados, para depois sugerir caixa de charuto, folha de tabaco, outra vez frutas vermelhas, além de agradável toque mentolado. É uma garrafa para algumas horas depois de aberta. Taninos ainda bem sensíveis, mas de ótima qualidade, sugerindo que o vinho vai arredondar se guardado por mais uns anos. Bela presença gustativa, confirmando as impressões olfativas. Excelente fim de prova. (*****) (18)

Chateau Lascombes 1998 (Margaux Grand Cru Classé) – Outro belo Bordeaux, agora da margem esquerda. Entram na cuvée 50% de Cabernet Sauvignon, 30% de Merlot, 5% de Cabernet Franc e 5% de Petit Verdot. Muito equilibrado, com ótima estrutura, já pronto, com taninos de primeira, que ainda permitem longa guarda. Abriu-se rápido, com intensidade e complexidade marcantes (boa fruta silvestre madura, notas vegetais, mentoladas, e ainda especiarias, condimentos, couro e fumo). Ótima acidez, aveludado, apimentado e mentolado, com um belo fim de prova – no nariz, no paladar e no copo já vazio. (*****) (18)

Chateau Carbonnieux Blanc 1999 (Grand Cru Classé de Graves) – De visual amarelo-limão tendendo ao dourado, este belíssimo Pessac-Leognan, composto de Sauvignon Blanc (65%), Semillon (34%) e Muscadelle (1%), revela, já de partida, notáveis elegância e força. Delicado no ataque, todavia expressivo, ressalta as notas do carvalho francês e as minerais. Abre-se em mais sugestões minerais, e ainda damasco, pêssego, abacaxi cristalizado, manteiga de garrafa, mel, canela e outras especiarias doces, além de uma nota cítrica (limão siciliano). Excelente acidez, tudo muito bem arrumado. (*****) (18)

De Martino Single Vineyards Pinot Noir 2004 – Impressionou-me muito bem este Pinot: bela cor (rosa escuro tendendo levemente ao granada), ótima estrutura, instigante buquê: frutas silvestres entremeadas por notas terrosas, de folhas secas, balsâmicas e especiadas. Nada de fruta em compota. 13,5 de álcool. Uma ponta de austeridade, que talvez se deva à vinificação com o engaço ou parte dele, confere-lhe estrutura e sugere longevidade. Longo final de prova. Um belo Pinot Noir de Casablanca, um dos melhores de fora da Borgonha que já bebi. (*****) (18)

Miolo Merlot Terroir 2004 (Vale dos Vinhedos - Brasil) : Bela cor rubi muito intensa, com sutis reflexos violáceos. Encanta olfativamente desde o primeiro ataque, pela delicadeza e por intensidade e complexidade crescentes. Lembra mesmo um Pomerol entre o clássico e o moderno, o que se há de confirmar em boca. Sugestões de boa fruta madura, notas condimentadas cada vez mais aparentes, muitas especiarias e um leve toque mentolado. Ainda: café, chocolate, tostado, numa síntese muito aprazível e sedutora. No paladar, elegante até o último gole, bela acidez frutada, nenhuma aresta e muita personalidade. Taninos de excelente qualidade, a conferir-lhe uma textura muito aveludada. Belo fim de prova e o copo, mesmo desocupado, não sossega por um bom tempo. Realmente, merece os inumeráveis elogios que vem recebendo. (*****) (18)

De Martino Single Vineyards Cabernet Franc 2002 (Maipo) – Este De Martino é igualmente impressionante: fruta fácil, especiarias, terra, notas vegetais, tabaco, mentol, bom nervo, muito vivo e muito elegante, facílimo no paladar. Uma beleza! Excelente fim de prova. (*****) (18)

Terrazas Reserva Malbec 2002 – Belo vinho. Aquela cor rubi escura, densa, típica dos vinhos feitos com esta cepa em Mendoza. Mas difere da média dos argentinos por várias razões: não tem 14,9 ou 15° de álcool, mas 13,5, é extremamente elegante, tem um frutado típico (amoras, ameixas pretas e passas) mas sem exuberância indomada, e envolvido por evidentes e progressivas (o vinho vai-se abrindo) notas florais (recordaram-me violetas, rosas e flor de laranjeira) e um leve toque balsâmico, lembrando muito curiosamente alguns exemplares de Touriga Nacional alentejanos. Há um fundo achocolatado que também não dá o tom, mas compõe muito agradavelmente. Não é “doce” demais, nem tem sabor de geléia de morango e framboesa. Para completar, tem nervo bem na medida. Um bom fim de prova, com média persistência. Era a segunda e última garrafa de nossa adega. A primeira, bebemos já deve haver um ano ou mais. Gostei muito dela, mas penso que o tempo beneficiou esta segunda, que estava no ponto e sem poréns. (****) (17)

Fournier Puilly-Fumé 2004 (Loire) – Fumado típico da Sauvigon Blanc da região, seco, com frescor e vivacidade, notas minerais e um toque levemente untuoso, boa presença no palato e elegância. Bom fim de prova. (****) (16,5)

9 comentários:

Anônimo disse...

Que lista! Fico feliz em ver o Terroir da Miolo no meio de todas essas estrelas internacionais, mas arriscaria dizer que há um bom número de outros vinhos nacionais, como o Salton Talento e o Villa Francioni, de Santa Catarina, por exemplo, que estão no mesmo nível.

Saudações!
Helton (SP)

Myla disse...

poxa, Edinho: conheço apenas dois dessa lista q, pelo q li, tenho q anotar e correr atrás d tooodos!!!!

valeu, obrigada por compartilhar ;0)

beijos e inté breve.

myla

Édil Guedes disse...

Caro Helton, obrigado pelo comentário. Penso que suas observações não poderiam ser mais felizes. Concordo com o juízo que fez dos vinhos que citou e, como você, também acrescentaria outros. Aliás, lembro que esta era apenas a primeira parte da minha lista. Um abraço.

Édil Guedes disse...

Olá, confreira Myla. Obrigado pela gentileza de sempre comentar. Melhor depois será compartilhamos os vinhos nos encontros da Confraria. Beijos e marquemos logo o próximo.

Anônimo disse...

Édil, realmente como primeira parte dos preferidos você destacou além de clássicos, alguns boas surpresas!Fiquei curioso pra ver a continuacao desta lista...
Um forte abraco a todos!

Rodrigo Guedes disse...

Gostei mais do Miolo Merlot Terroir 2004, apesar de nao ter chegado ao final da degustaçao. Por isso mereço mais choro, ou melhor, "pranto" na próxima. Espero que seja em breve.

Abraço.

Rodrigo Guedes disse...

Já sei que a próxima lista está pronta. Vai ter algum teaser?

Édil Guedes disse...

Caros Rodrigo e Igor, grato pelos comentários. Meu tempo, como sabem, é bem espremido, mas pretendo atualizar o blog esta semana. Estou devendo os resultados e os comentários do último encontro da Confraria e pelo menos a segunda parte da lista de 2007. Igor, mais novidades por aí? Os vinhos estão te fazendo boa companhia? Você e Cristiana já estão devidamente acomodados? Forte abraço para todos.

Anônimo disse...

Prezado Guedes,


Até parece que vc faz parte da confraria que participo porque os vinhos mencionados por vc (Salton Talento, Chateua Carbonnieux blanc, De Martino Single Vineyard 2004, Terrazas Malbec reserva 2002, etc..), são todos vinhos que já provei e são dignos de constar da lista elaborada por você.

Quando puder visite www.blogdojeriel.com.br e se manifeste.

Forte abraço

Jeriel
SP/SP