Os preferidos de 2007 – Parte II

O substantivo latino elegantia deriva do verbo eligere: eleger, escolher. Daí remeter ao que exprima bom gosto, distinção, delicadeza – ao que é bem proporcionado, harmonioso, preciso – ao que é na medida justa e revela estilo próprio. A primeira de suas acepções em Le Nouveau Petit Robert: “qualidade estética que se reconhece em certas formas naturais ou criadas pelo homem cuja perfeição é feita de graça e simplicidade”. Falando nomeadamente de vinhos, em recente entrevista, o célebre produtor piemontês Angelo Gaja foi categórico: “a elegância é o contrário da opulência”. É bem isso? Pareceu-me, ao lê-lo, que sim. Ao refletir sobre vinhos e sobre tanto mais, coisas e gentes, pareceu-me decididamente que sim. Que seja então esta segunda parte de minha vagarosa e comprida seleção de preferidos uma singela ode à elegância. Saúde!

Château La Tour de By 1999 (Medoc - Cru Bourgeois Superieur) – Um dos vinhos que mais me encantaram em 2007, este é um corte tradicional de Cabernet Sauvignon (60%), Merlot (35%) e Petit Verdot (5%), provenientes de vinhas com idade média de 40 anos, em solo de argila densa sob cobertura gravelosa. Estagia por 12 meses em barricas (1/3 novas). Bordalês em estilo bastante clássico, cada vez mais difícil de encontrar: rubi não muito intenso com algum reflexo, menos extração, médio corpo, muita delicadeza e elegância em todos os sentidos. Buquê bastante rico, com fruta vivaz (cassis, mirtilos) envolvida por notas minerais e sutilmente terrosas, ervas dessecadas (tabaco), leves sugestões florais, além de um agradável tostado. Evolui magnificamente no copo. No paladar, tudo muito bem proporcionado, taninos sedosos, nervo excelente, a pedir a companhia de um belo prato. Final interminavelmente delicioso. Para beber já ou guardar com esperança de que ainda haja o que melhorar. (*****) (18)

Villa Russiz Sauvignon Blanc 2004 (Collio – Itália) – Excelente vinho. Encanta desde o início. O estilo “velho mundo” é garantido, além do terroir e outras razões, pelos onze meses sur lie (contato com as leveduras) após a fermentação em temperaturas um pouco mais altas (em torno de 19°C), diversas do estilo “novo mundo”. Notas animais e minerais, além de um fino toque herbáceo, não escondem a fruta, que entretanto não domina. Há elegância, frescor e belíssimo retrogosto. Abre o apetite! Para beber não muito frio (entre 12 e 14 graus centígrados). (*****) (18)

Salton Talento 2004 (Tuiuti – RS – Brasil) – Bela cor rubi, densa, quase sem reflexo. Sem aeração, já mostra grande intensidade em frutas escuras (ameixas, amoras e cassis) e cacau. Ao fundo, sugere hortelã. Evolui para tabaco e sutis notas terrosas. Estas ampliam-se, a lembrar cogumelos. Bela fruta, elegante, copiosa. Com mais tempo a respirar, surgem notas de café e chocolate, cravo, couro e ainda violeta. No paladar, que elegância! Muito macio, confirma grandemente as impressões reveladas pelo buquê; suavemente apimentado, bela acidez frutada. Longa permanência gustativa com notável qualidade. Grande vinho! (*****) (18)

T Quinta da Terrugem 2001 (Alentejo – Portugal) – Corte de Aragonês (90%) e Trincadeira Preta (10%), que estagia 12 meses em barricas novas de carvalho francês. Bela cor púrpura. Um dos melhores alentejanos que bebi ultimamente. Estilo moderno, como tem sido comum aos vinhos da região, mas revela notáveis personalidade e elegância, apesar dos seus 14° de álcool. Buquê sedutor, com camadas de frutas escuras, condimentos finos e notas de torrefação. No palato, sedoso, delicioso e pertinaz. Um vinho para memorar. (*****) (18)

Chardonnay Lote I Villa Francioni 2004/2005 (Santa Catarina) – Que belo branco nacional, o melhor que já bebi. Bela cor amarela, tendendo ao dourado, resultado de sua criação por oito meses em barricas novas de carvalho francês. Elegante, expressivo, intenso, longo, com muito boa fruta acompanhada por sugestões de manteiga, pão tostado, algum condimento, canela, mel e chocolate branco. Impressiona muito e foi apenas a première. (*****) (18)

Antonin Guyon Savigny-Les-Beaune 03 - Intensa cor rubi com leves reflexos castanhos. Bela complexidade olfativa e notável tipicidade borgonhesa, com decididas notas trufadas, couro, frutas vermelhas (frescas e maduras), ervas secas, e um agradável frescor final. Muita personalidade no palato, elegância e certa austeridade, a sugerir que o vinho tem ainda muito o que crescer na garrafa. Um fim de prova quase interminável, memória viva de um belo vinho. (*****) (18)

Faveley Clos de Myglands 1998 (Mercurey Premier Cru Controlée – Monopole – Récolte du Domaine) – Belo borgonha deste conceituado produtor. No olfato, inicia com sugestões de frutas de bosque fresca e madura (cereja, framboesa, morango), evoluindo para notas bem terrosas e de couro molhado (compondo uma referência costumeira a estábulo), molho de funghi secchi, figo em calda e fumo (cachimbo). Fim de copo remetendo a goiabada, geléia de morango e mel com própolis. Na boca, corpo de leve a médio, nervo muito marcante, elegância, vocação gastronômica. Prevalecem no paladar as notas terrosas e o couro. Ótima persistência. (****) (17,5)

Pinot Gris Paul Blank 2003 (Alsácia) – Muito gostoso este vinho: ataque aromático bem floral, abrindo-se ainda em notas minerais e cítricas. Delicado, bom frescor, fácil de beber. Ótima persistência olfato-gustativa. (****) (17)

Franz Haas Pinot Nero 03 (Alto Adige – Itália) – Chama atenção logo pela cor, bem clarinha, rosada, mas já com reflexos granada. No nariz é uma bela surpresa: intensas notas fumadas entremeadas por sugestões de fruta fresca e também de compota, ainda a restar um toque sutilmente terroso, muito agradável. O paladar confirma as impressões olfativas e ainda revela um vinho elegante e com grande vocação para a mesa. O fim de prova é ótimo e o copo vazio não pára de lembrá-lo. (****) (17)

Quinta dos Quatro Ventos 2003 (Douro - Portugal) – Outra bela surpresa. Superior ao 2002, que já foi degustado em um dos encontros de nossa confraria. Corte de Touriga Nacional, Tinta Roriz e Touriga Franca, criado por 12 meses em barricas novas de carvalho francês e russo. Bem elegante, apesar dos 14° de álcool. No nariz, fumo, chocolate, resina, couro, notas tostadas, especiarias doces (cravo, canela) e picantes (pimenta, nós-moscada), vegetais cozidos (azeitona), muito boa fruta e notas florais (violetas) desde o ataque. Em boca, ótimo, macio, estruturado, sem excessos. Ótimo fim de prova, longo, com ligeiro amargor. (****) (17)

Brunheda 2001 (Douro - Portugal) – Corte de quatro castas tradiconais (Touriga Nacional, Tinta Roriz, Touriga Franca e Tinto Cão), que estagia por 12 meses em barricas novas de carvalho francês. Combina força e elegância. 13° de álcool, boa extração, bela cor rubi escuro com reflexos levemente atijolados, muita fruta madura, muito floral (violetas), evoluindo para resina, terra molhada, couro, condimentos, chocolate amargo, café, canela. Na boca, ótima acidez, bela estrutura, confirmando impressões visual-olfativas. Ótimo fim de prova. (****) (17)

De Martino Single Vinyards Sauvignon Blanc 04 (Casablanca – Chile) - Foge a toda expectativa em relação aos – diga-se de passagem – bons vinhos feitos com essa uva neste vale chileno. Notas vegetais e fumadas sobrepõem-se ao elemento cítrico (um fundinho de limão siciliano), e não surge nenhum aroma de maracujá. Bom em boca e no fim de prova. Pede um bom salmão grelhado. (****) (16,5)